Escrito por: Alessandro A. Mazzola - Físico Médico Revisão: Alexandre R. Martins - Físico Médico Guilherme C. Leite - Tecnólogo em Radiologia Dr. Guilherme Hohgraefe - Médico Radiologista Karine Stieven - Física Médica MRIONLINE - Protocols & Education
Não é só na política que as notícias podem ser falsas e terem consequências para a vida das pessoas. Um vídeo de cílios postiços sendo atraídos por um equipamento de Ressonância Magnética (RM) e uma foto de uma mulher com cílios postiços queimados chamaram muito a atenção nas últimas semanas e estão causando apreensão e problemas em muitos serviços de imagem.
O motivo para isso: imagens falsamente atribuídas a queimaduras causadas por exames de RM e erros graves de "especialistas" na explicação sobre os riscos e interação do campo magnético estático, gradientes de campo magnético e a radiofrequência nos exames de RM.
Podemos dizer que tudo começou com o vídeo postado de forma correta no grupo MRI Safety do Facebook pelo professor e especialista e m Segurança em RM Dr. Frank Shellock (www.mrisafety.com).
Dr. Shellock mostra que alguns cílios postiços possuem um fecho magnético (imãs) sendo atraídos pelo campo magnético estático de 3,0 T de um equipamento de RM. Postou este vídeo para reforçar os cuidados que devemos ter nos serviços de RM com acessórios de beleza usados por pacientes. Ou seja, para reforçar a regra: o paciente e qualquer pessoa que for entrar numa sala de exames de RM ou for fazer um exame de RM precisa retirar todo e qualquer material solto do seu corpo, como chaves, brincos, colares, relógios etc.
Veja o vídeo no seguinte link: https://www.youtube.com/watch?v=8ig7XH2zhcg.
No mesmo dia o vídeo acima já circulava por diversos grupos de whatsapp de radiologia e, especialmente, entre os profissionais de RM.
Foi então que surgiu no dia 04/11/2019 a imagem abaixo postada de forma pública no perfil do Facebook de Hércules Fontes, um estudante de medicina de Ribeirão Preto (SP), onde o mesmo associa a foto de um pessoa com cílios danificados ou supostamente queimados (pessoa na foto não está identificada) aos riscos durante o exame de RM.
Até o momento da publicação deste artigo já haviam sido feitos mais de 2,1 mil comentários na postagem dele e 12 mil compartilhamentos. Essa mesma fotografia usada pelo Sr. Hercules Fontes já havia circulado em alguns grupos de whatsapp associando a provável queimadura como o uso de um eletrocautério em uma cesárea.
Nada disso foi comprovado e, segundo muitas esteticistas, essa imagem é de uma simples remoção de cílios postiços, não havendo qualquer queimadura ali presente ou dano a pálpebra e cílios da pessoa na foto. Apenas ilustraria o procedimento de retirada de cílios postiços. Está informação também não está comprovada.
No entanto, o que mais nos preocupou e que torna as informações incorretas ainda mais graves é o que está acontecendo nos últimos três dias, quando diversos veículos de comunicação e jornalismo como a rede Bandeirantes de Rádio e Televisão, Rede Globo, SBT, Rede Record, Correio Braziliense e outros, estão publicando reportagens onde entrevistam pessoas para comentarem o ocorrido e provocando falsas notícias sobre o assunto acima e sobre os riscos relacionados aos exames de RM.
Vejam os links abaixo com falsas informações sendo divulgadas:
Vamos então esclarecer alguns pontos comentados nas reportagens e que reproduziremos aqui para então analisar e repassar a informação correta:
FAKE NEWS Nº1 - "A pálpebra de uma mulher com cílios postiços está queimada após um exame de Ressonância Magnética".
Como foi mostrado anteriormente não existe nenhuma comprovação de que esta imagem é de uma mulher que teve queimaduras na região e, ainda mais, tendo sido causada após um exame de Ressonância Magnética. Não se sabe nem se aquilo são queimaduras ou uma simples foto do procedimento de remoção dos cílios postiços.
FAKE NEWS Nº2 - "...Os médicos afirmam que o material usado em alongamento de cílios (extensão fio a fio) pode causar um efeito de “metal no micro-ondas” durante o exame de ressonância magnética."
Está completamente incorreto comparar um equipamento de Ressonância Magnética com um microondas. Basicamente a RM utilizará um campo magnético estático, variações do campo magnético e radiofrequência (RF) para realizar o exame. A forma de interação da RF com o tecido humano é completamente diferente da forma com que as ondas eletromagnéticas classificadas como micro-ondas irão interagir com um tecido ou mesmo com o metal. Ambas podem levar a um aquecimento e queimaduras, mas por mecanismos físicos completamente diferentes. Ou seja, a comparação está errada e inadequada.
FAKE NEWS Nº 3 - "...disse que o equipamento de ressonância magnética é, de forma simplificada, um micro-ondas. Por isso, qualquer metal pode comprometer a segurança."
Qualquer metal não vai comprometer a segurança em RM! Os materiais implantados no corpo humano vem sendo cada vez mais aperfeiçoados na sua composição e testados para que possibilitem que um paciente possa realizar seu exame com total tranquilidade. Os testes buscam garantir não só que o metal não possua uma força de atração em relação ao campo magnético (materiais ferromagnéticos não podem sequer entrar na sala de exames) mas também que sejam seguros para o exame quanto a exposição à RF e aos gradientes de campo magnético (variações do campo magnético que ocorrem durante o exame de RM).
A lista mais atualizada e completa que conhecemos na área de RM é fornecida pelo Dr. Frank Shellock através do seu site www.mrisafety.com, mas também é preciso muitas vezes consultar os fabricantes para ter a certeza que os testes foram realizados e que o material é classificado como seguro para RM ou condicional para RM, ou seja, que poderá fazer o exame de RM, mas é preciso seguir as condições impostas pelo fabricante. Isso vale para, por exemplo, alguns modelos mais novos de marca-passos e neuro estimuladores que hoje são fabricados para uso em RM de forma condicional.
FAKE NEWS Nº 4 - "Com relação à queimadura, qualquer material que tenha alguma pigmentação, ou que tenha algum grau de ferro ou metal nela, você está exposto a um potencial risco de queimadura na ressonância magnética".
Não podemos e não devemos generalizar. Tatuagem e maquiagem definitiva podem realmente conter óxidos de metal, ou com foi mencionado em uma das reportagens, óxido de ferro (ferromagnético), entretanto este não é um risco potencial se for corretamente avaliado e tratado. Tatuagens muito recentes e que podem conter na composição da sua tinta o óxido de ferro, podem ficar borradas se submetidas a um alto campo magnético, como o de um aparelho de RM. Porém, passados alguns dias de sua aplicação e com a tinta já consolidada no tecido, este risco não ocorre mais. Assim, é correto não submeter um paciente com tatuagem recente ao exame de RM. Esperar pelo menos 7 dias é prudente. O segundo ponto é o aquecimento acima do normal na região da tatuagem. Por conter um óxido de um metal, a tatuagem poderá aquecer mais que o tecido normal. Isso já foi relatado na literatura da área de RM (Exemplo: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3445217/) , sendo que o consenso na literatura é que podemos ter aumento de temperatura na área de uma tatuagem, mas não uma queimadura de grau dois ou maior. Desta forma, podemos fazer exames em pacientes com tatuagens, cuidando para usar os menores níveis possíveis de RF durante o exame (do ponto de vista mais técnico, reduzindo o chamado SAR, ou Specific Absortion Rate da radiofrequência).
Poderíamos continuar comentando algumas outras frases erradas que foram ditas ou escritas nas reportagens, mas vamos parar por aqui e ver o que de correto aparece nisso tudo que foi divulgado e de que forma podemos usar o fato para aumentar a segurança dos pacientes e de todos que trabalham com a RM.
Lista de Boas Informações sobre Segurança em RM
Vamos colocar sob a forma de uma lista algumas informações complementares que possam ajudar aos pacientes que precisam fazer este importante exame e também aos profissionais dos serviços de diagnóstico por imagem para reforçar os cuidados para a segurança de todos.
A RM utiliza um forte campo magnético e radiofrequência para obter imagens dos tecidos do nosso corpo. Durante o exame também são aplicadas variações do campo magnético para localizar espacialmente o sinal ou produzir efeitos na imagem para um melhor diagnóstico. Todos oferecem um certo grau de risco que é controlado não só por limitações impostas pelos fabricantes, mas também por procedimentos e condutas adotadas pelas instituições e profissionais;
Todos pacientes necessitam preencher um formulário de pesquisa e investigação de metais antes de realizar o exame, assim como, informar antecedentes médicos, alergias e possíveis restrições à sua saúde;
O chamado campo magnético estático produzido pelo equipamento de RM (mais precisamente pelo magneto) é um fator de risco bastante importante, pois este forte campo magnético pode atrair fortemente metais ferromagnéticos. Desta forma, a entrada de materiais na sala é extremamente controlada e o paciente, acompanhante e colaboradores do setor são investigados quanto a presença de metais no corpo e precisam ser liberados pela equipe técnica e médica para realizar o procedimento;
Do ponto de vista mais básico, o paciente irá ser preparado trocando completamente a sua roupa e sapatos por uma vestimenta fornecida pelo serviço de imagem. Também deverá deixar em um armário fechado fora da sala de exames ou com algum familiar ou acompanhante todos seus pertences.
Deverá retirar também maquiagem e avisar a equipe técnica sobre tintura de cabelo, maquiagem definitiva, tatuagens, cílios, aparelhos e próteses dentárias e outros acessórios ou materiais no corpo como piercings, por exemplo, antes de entrar na sala de exames. As equipes técnicas e médicas do setor de RM saberão atuar de forma a garantir a segurança de cada paciente;
Rímel possui na sua formulação óxido de ferro e deve ser removido dos cílios naturais ou postiços. Cílios postiços podem ter partes metálicas e ferromagnéticas (ou mesmo imãs). Estes deverão ser removidos antes de fazer o exame;
O posicionamento do paciente e materiais de isolamento como espumas e lençóis são usados para aumentar ainda mais a segurança durante o exame. A temperatura da sala de exames e ventilação também são monitoradas para garantir conforto e segurança;
A RF usada durante o exame é controlada quanto a duração e intensidade, possuindo limites que asseguram a sua correta utilização, justamente para que não elevem a temperatura corporal ou mesmo local. Um cuidado especial é dado quando pacientes possuem tatuagens, maquiagem definitiva ou mesmo materiais metálicos implantados no seu corpo. Veja que a RF (ou ondas de rádio) é uma radiação eletromagnética, mas completamente diferente dos raios x, raios gama e do micro-ondas. Não podemos confundir os efeitos de cada uma no tecido humano, pois são bastante diferentes. A RF é extremamente segura;
As variações do campo magnético produzem um ruído sonoro bastante elevado na maioria dos equipamentos de RM, sendo fundamental o uso de proteção auricular pelo paciente ou por qualquer pessoa que permanecer dentro da sala de exames. Essas variações de campo magnético podem levar a formação de correntes elétricas em condutores (cabos e fios), nas superfícies internas do equipamento e também na superfície do corpo do paciente. Não é incomum o paciente relatar sensações de estímulo de nervos periféricos da face, membros e tórax/abdome. Estes estímulos podem ocorrer e o paciente precisa ser informado sobre isso até para que relate para a equipe se houve a ocorrência durante o exame;
O paciente recebe uma campainha para poder chamar a equipe técnica e também é mantido contato visual e sonoro com ele durante todo o exame. A qualquer momento o exame pode ser interrompido para que a equipe possa entrar na sala e conversar diretamente com o paciente;
Nem todos os metais possuem a propriedade de serem ferromagnéticos. Os que são, serão fortemente atraídos pelo magneto e são proibidos de entrar na sala de exames;
Materiais como macas, cadeiras de rodas, suportes, carros de anestesia e outros dispositivos médicos usados em hospitais e clínicas só podem entrar na sala de RM se forem seguros para RM, ou seja, não podem ser atraídos e não podem interferir no processo de exame. Dispositivos elétricos e eletrônicos também precisam ser fabricados e testados para que sejam seguros para o ambiente de RM, podendo ser classificados como condicionais também (depende de condições para ser usado de forma segura).
Poderíamos continuar esta lista de segurança e incluir ainda mais itens como meios de contraste a base da gadolínio, materiais criogênicos usados no magneto como o hélio líquido, por exemplo, e procedimentos para várias situações importantes em um setor de RM. Entretanto, nosso objetivo aqui era o de tentar corrigir algumas informações falsas e ajudar com boas informações para a segurança em RM.
Em um artigo de revisão que publicamos Revista Brasileira de Física Médica abordamos a Segurança em RM de forma mais completa. Acessem o artigo no link abaixo:
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