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Foto do escritorAlessandro A. Mazzola

A Atração Fatal entre Armas e Magnetos em RM: informações para combater fakenews!



O vídeo e a imagem abaixo movimentaram grupos de whatsapp de radiologia e ressonância magnética (RM) na última semana e chegaram de forma viral ao grande público através de perfis do Instagram, Facebook e sites de grandes veículos da mídia.

Se já não fosse trágico o ocorrido, a "notícia" ainda foi recheada de erros envolvendo o local, pessoas e até os fenômenos físicos. E o pior, não trouxeram boas informações e discussões de como prevenir acidentes iguais ou semelhantes no ambiente de RM.

Entendemos que é nosso papel esclarecer alguns fatos e contribuir com boas informações para a comunidade de RM e público em geral através deste pequeno artigo.



Nota: Não iremos mencionar o local dos acidentes (clínicas ou hospitais), justamente porque isso não é o que importa. Mas iremos sim retratar locais que sofreram com a propagação errônea deste acidente.


O Fato

O vídeo mostra uma arma de fogo que ficou presa na carcaça de um magneto supercondutor de Ressonância Magnética sendo removida com a ajuda de um grupo de quatro pessoas, sendo que três usam roupas de bombeiro. Após ser puxada com a ajuda de uma corda e do auxílio manual de uma pessoa, a arma é afastada do magneto e deixa de sofrer a forte atração.


A Fake News


Esse acidente não foi em Curitiba ou Florianópolis no Brasil, como está aparecendo em muitos lugares. As informações de um acidente antigo que ocorreu há mais de 5 ou 10 anos atrás em Curitiba e Florianópolis, estão misturadas com esse recente que ocorreu na verdade na cidade de Belém do Pará e não feriu ninguém.


Um dos posts que viralizaram afirma que o fato teria ocorrido em uma grade clínica de diagnóstico por imagem de Curitiba/PR. A mesma se viu obrigada a emitir numa nota oficial para explicar aos seus pacientes e comunidade que o tal acidente não havia ocorrido lá. Percebam o grau de apreensão e risco para a imagem que isso pode gerar.



Já o site do G1 de Santa Catarina, através da jornalista Clarissa Batistela, foi ainda mais longe. Criou uma reportagem que afirma que o fato ocorreu em Florianópolis em 2005. Como uma jornalista não se dedica a, no mínimo, revisar o fato e até publicações do seu próprio veículo de notícias?



As Informações Verdadeiras sobre o Acidente


As informações que conseguimos coletar não trazem com precisão da data em que ocorreu, mas o acidente ocorreu há mais de um ano atrás na cidade de Belém do Pará/PA e envolveu um equipamento de 1,5T e um policial.

Quem portava a arma era um policial que estava no local acompanhando uma paciente que iria realizar um exame de RM com anestesia. O mesmo insistia em ficar dentro da sala de exames com a paciente. A equipe soube que ele era policial e pediram para ele deixar a arma trancada no armário. Como medida de cuidado extra, a equipe técnica solicitou ainda que ele trocasse a sua roupa por um roupa própria do setor, justamente para buscar prevenir que ele entrasse com algo proibido na sala. Todo esse cuidado adicional se deve ao fato de um outro acidente com uma arma de fogo já ter acontecido na mesma instituição há mais de 7 anos atrás. Porém, apesar de orientado pela equipe, o mesmo não deixou a arma no armário e entrou com ela escondida embaixo da roupa.

A arma foi atraída para o magneto tão logo esse policial se aproximou do mesmo e após ela se chocar com a carcaça do magneto e ficar ali presa, a mesma ficou engatilhada e apontada para o técnico do setor que estava ali junto, mas não disparou.

O policial, muito nervoso com o ocorrido, ainda tentou puxar a arma e a mesma se reposicionou e prensou o dedo do policial que teve a falange do dedo arrancada. Olhando atentamente o vídeo é possível ver um edredon no chão da sala usado para tentar estancar o sangue do dedo do policial e deixado ali para limpar o chão. O policial foi retirado da sala pela equipe e encaminhado ao bloco cirúrgico da instituição para atendimento emergencial.

Um delegado de polícia juntamente com um grupo de bombeiros foram chamados na instituição para, primeiro, descarregar a arma, e, depois, fazer a retirada segura como mostra o vídeo.

Um Farto Histórico de Acidentes entre Armas de Fogo

O primeiro registro da possibilidade de acidente com uma arma de fogo no ambiente de RM na literatura é de 1994, através de um artigo do professor Emanuel Kanal (1) publicado na Radiology. De forma resumida, foi testada a segurança de armas de fogo de pequeno calibre em um ambiente de ressonância magnética (RM) de 1,5 T onde foram avaliados seis modelos de revólveres, todos estavam descarregados no momento do teste. Cada arma de fogo foi retirada com o cano primeiro para avaliar a interação do campo magnético com o cão ou gatilho. Duas das seis armas dispararam durante o processo de remoção (sem conter balas) e o fato ocorreu de forma reprodutível.

A conclusão foi que uma arma de fogo presa a um magneto deve ser descarregada antes que a remoção ou que qualquer outra manipulação seja tentada no ambiente de RM.


Em 2002 foi a vez do primeiro relato de caso sobre um disparo espontâneo de uma arma de fogo acionado pelo campo magnético. O incidente ocorreu em um centro de imagem ambulatorial na zona oeste do Estado de Nova York (EUA), e a arma de fogo disparou espontaneamente após ser atraída e se chocar com um magneto de 1,5 tesla(T). O evento veio a confirmar os riscos teóricos relatados anteriormente no artigo de 1994.

Em 2005 um caso parecido realmente ocorreu em Florianópolis, mas de uma forma bastante diferente.

Numa suspeita de arrombamento de uma clínica, a polícia foi acionada e dois policiais acabaram entrando na sala do magneto, tendo sido "desarmados" pela RM. Apesar da foto mostrar somente uma arma de fogo, uma segunda arma ficou também presa ao magneto. Devido a uma delas estar em uma posição difícil de remoção, o campo precisou ser reduzido por uma equipe técnica do fabricante da RM e, assim, a arma ser retirada de forma segura.


Na época houve uma grande divulgação nos jornais locais e alguns sites, mas novamente só preocupados em produzir uma notícia viral sem conteúdo orientativo ou educativo os diversos públicos interessados.



Em algumas publicações, a imagem acima de 2005 foi misturada ao vídeo, causando confusão sobre o que realmente ocorreu,


A imagem abaixo também foi associada incorretamente ao vídeo. Na verdade, essa imagem é de um acidente ocorrido em 2017 na cidade de Lucknow na Índia. O relato diz que o segurança do ministro de Uttar Pradesh, Satyadev Pachauri, tentou fazer uma RM portando sua arma. O segurança ignorou os avisos e orientações e entro na sala de exames com sua arma.

E poderíamos citar aqui outros acidentes (como mais esse abaixo) muito semelhantes os relatados na mídia ou mesmo por relatos pessoais que já recebi ao longo dos mais de 25 anos trabalhando com o tema segurança em RM.


Esclarecidos os fatos, vamos ao que interessa e ao que ninguém buscou divulgar ou propagar.


Ou seja, que lições e aprendizados podemos tirar deste evento e de outros que já ocorreram?


1) Riscos do Campo Magnético


A maioria dos equipamentos de RM ou usa um magneto com bobinas supercondutoras mergulhadas em hélio líquido ou um magneto com imãs permanentes. Raros são os resistivos que podem ser ligados e desligados de forma mais simples. Por isso, o principal risco no ambiente de RM é a atração ferromagnética causada por esse magneto potente. Nem todos metais são ferromagnéticos, vide o alumínio e o cobre, por exemplo. Mas todos precisam ser pesquisados e classificados antes de serem usados no ambiente de RM.


Os cuidados, avisos, pesquisa de metais, treinamentos e total atenção constante da equipe (trabalhadores do ambiente de RM) devem fazer parte de cada serviço, assim como, a correta investigação, orientação e ciência dos riscos de pacientes e acompanhantes.

A entrada com objetos metálicos em sala que podem ser ferromagnéticos é risco de morte na RM!


2) O que não fazer!

Caso um acidente semelhante aconteça, não tente remover o objeto. Após um acidente como esse é importante chamar o pessoal especializado do fabricante e da clínica e não tentar remover o objeto de qualquer forma, pois pode resultar em um segundo acidente, visto que o mesmo pode sofrer um processo de reacomodação em algum outro ponto da carcaça.


Além disso, existe o risco de danificar ainda mais o equipamento, o que representa um custo muito mais alto que algumas horas ou dias de equipamento inoperante para realizar a remoção segura.

Engenheiros do fabricante do equipamento podem baixar de forma controlada o campo magnético até um nível que se torne fácil e seguro remover o objeto.



3) É necessário extinguir ("quenchar") o campo magnético para retirar a arma?

Não. Não é necessário.

Magnetos supercondutores como o do acidente utilizam hélio líquido para resfriar a baixíssimas temperaturas as bobinas fabricadas de uma liga especial que atinge a chamada superconditividade, ou seja, permitem circular corrente elétrica sem qualquer resistência à passagem dessa corrente.


Para saber mais sobre isso, assista, no nosso canal do Youtube, a uma live que transmitimos em 2021.


Baixar o campo é possível nos magnetos supercondutores através do chamado “quench” ou extinção do campo pela perda da supercondutividade quando o hélio líquido é convertido em gás e expelido pelo magneto. Mas esse é um procedimento que pode resultar em gastos superiores a 150 mil reais, fora o problema operacional, pois o tempo para reestabelecer o campo e voltar a funcionar é ainda maior.


Mas se o objeto estiver colocando em risco a vida de alguém, como, por exemplo, no caso de uma maca ou uma cadeira que pode estar prensando a pessoa contra o magneto, o procedimento é o de "quenchar" ou extinguir o campo magnético. Para isso, existem botões de emergência para este fim localizados na sala de exames e/ou na sala de comando. Recomendamos que somente pessoas treinadas realizem esse procedimento, visto outros riscos relacionados a propagação do hélio sob a forma de gás.



4) O que fazer para que isso não se repita?

Pessoas treinadas sabem o que estão fazendo e cuidam delas e do seu entorno para que problemas não ocorram.


Desta forma, o ponto número 1 é TREINAMENTO de todos que podem ter qualquer relação com o setor de RM.


Capacitar, capacitar e capacitar!!!


O melhor a fazer é revisar todos os processos do setor, padronizar o atendimento com políticas e rotinas institucionais para as medidas de segurança e capacitar à todos. E as seguintes ações precisam também ser estabelecidas:


  • Restringir acesso através do zoneamento do setor de RM. Para saber mais sobre esse assunto, consulte nosso artigo e outros materiais aqui;

  • Orientar pacientes e acompanhantes sobre os riscos do ambiente de RM e fazê-los ler e assinar termos de consentimento informado e pesquisa de segurança em RM antes de adentrar o setor de RM ou a chamada Zona III;

  • Orientar o paciente e qualquer acompanhante quanto a retirada de qualquer metal do corpo ou objetos soltos, guardando os mesmos em um armário fechado. O paciente deve retirar toda sua roupa e usar uma vestimenta fornecida pelo serviço para realizar seu exame de forma segura;

  • Ter políticas, rotinas e local apropriado de guarda de objetos de valor ou armamento trazido pelo paciente ou acompanhante. Algumas instituições adotam locais com cofre e rotinas com a equipe ou empresa de segurança patrimonial para este tipo de armazenamento provisório. Isso dá tranquilidade e respaldo institucional para este tipo de situação;

  • Vistoriar os pacientes e acompanhantes com um detector de metais antes da entrada na sala de exames (zona IV). Este não é ainda um procedimento pouco frequente, até porque a legislação atual (IN 97 da ANVISA) só diz que é preciso ter um detector de metais no setor, mas não diz que é preciso ter um procedimento de uso do mesmo para com todos antes de entrar na sala de exames.





25 a 31/7 de 2022 - Semana da Segurança em RM


O mês de julho é marcada por iniciativas internacionais para a divulgação e propagação de informações corretas sobre Segurança em RM através da chamada "Semana da Segurança em RM", sempre na semana que antecede o dia 31/07, marcado pela morte de um menino de 6 anos de idade em Nova Iorque em 2001, após ser atingido por um cilindro de oxigênio que foi incorretamente levado para dentro da sala de exames enquanto ele aguardava anestesiado para o exame deitado na maca.



Aproveitamos para convidar toda comunidade para nos acompanhar em uma série de ações para promover a segurança no ambiente de RM e levar, para todos, informações corretas e orientativas.


Faremos nossa MRISafetyWeek de 25 a 31 de Julho com a realização de três lives abertas e gratuitas através do nosso canal do Youtube e um curso de atualização de oito horas aula, mediante inscrição. Em breve divulgaremos a programação completa e informações para inscrições.


Quer saber antes de mais notícias da área de RM e novidades do MRIONLINE?



Referências


Kanal E, Shaibani A. Firearm safety in the MR imaging environment. Radiology. 1994 Dec;193(3):875-6. doi: 10.1148/radiology.193.3.7972840. PMID: 7972840.


Beita AO, Meyers SP, Kanal E, Bartell W. . Spontaneous Discharge of a Firearm in an MR Imaging Environment. American Journal of Roentgenology. 2002. 178:5, 1092-1094







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